28.5.07

 

A Confirmação do Agravo

Domingo passado referi-me com espanto e indignação ao caso do professor Charrua, suspenso de funções pela Directora Regional de Educação do Norte do Ministério da Educação, por ter proferido afirmações jocosas consideradas insultuosas para a figura do Primeiro-Ministro de Portugal.

Tal facto, já de si insólito, num país que se quer democrático e progressivo, era suficientemente anómalo, mas, tendo a medida repressiva sido aplicada com base numa delação de um colega, que deve ter-se equivocado na sua vocação e no período histórico em que julga viver, torna o acontecimento muito mais revoltante.

Durante a semana foi o assunto bastante comentado, embora as luminárias da Comunicação Social afectas ao Partido Socialista ou independentes, mas com ele concertadas, noutras ocasiões ruidosamente palradoras, aqui escassamente tenham piado.

A responsável pelo Ministério, com ar algo tétrico, de cinismo e de hipocrisia, refugiou-se num falso desconhecimento do problema, evitando qualquer comentário, sob pretexto de não querer influenciar um inquérito que estará em curso.

A rapidez com que o professor foi suspenso, viu o seu computador bloqueado e o correio electrónico devassado dá bem a medida da arrogância e do sentido de impunidade com que já se opera na vasta esfera do Poder do Estado, caído nas mãos de Comissários Políticos.

E aqui é que se deve focalizar a nossa atenção. Não é sem consequência que o Estado, sobretudo, tem sido submetido a sucessivas ondas de assalto, a levas de povoamento, por pessoal partidário, ao longo dos nossos trinta e três anos de festejada democracia.

A coberto do combate ao fascismo moribundo de após a Revolução ou da necessidade de prevenir o seu eventual regresso foi-se saneando ou arredando de posições influentes muita gente válida e colocando, em seu lugar, muita outra de duvidoso valor intelectual e de baixo perfil ético.

As estruturas da Administração Central do Estado, os Ministérios e as Repartições foram sendo sistematicamente semeadas de pessoal de obediência política clara, pronto a servir quem lá o coloca, sendo este o principal motivo da sua colocação ou promoção.

Todos os Partidos têm aqui um currículo desabonatório, mas nenhum como o Partido Socialista revelou uma apetência e uma eficiência tão grande neste desígnio de colonização política das Estruturas do Estado.

Passados trinta e três anos tal prática militante começa a frutificar em pleno. Há quem já se sinta seguro e certo de impunidade para desencadear a sua voracidade de mando.

Admite-se que haja no PS quem se incomode com semelhantes práticas, quem até as reprove e as repugne no interior da sua consciência, mas são provavelmente uma minoria e, para além disso, largamente silenciosa.

Se, no País, estes casos, cada vez frequentes, não forem veementemente denunciados e combatidos, os novos tiranetes terão carreira facilitada e o País há-de depois sofrê-los e amargá-las.

Para nos reanimar, contudo, hoje, no Público, vinha um excelente artigo de António Barreto, a mostrar que desde que este voluntarioso intelectual se distanciou do PS ganhou desmedidamente em lucidez e argúcia, já que inteligente sempre terá sido. Citando livremente o eloquente René Descartes, poderíamos também aqui aduzir que : não basta ter o espírito bom, o principal é aplicá-lo bem.

E Barreto, felizmente para ele e para todos nós, há muito tempo que o vem fazendo, em favor da clarividência e da verdade, mesmo que sinta a este respeito a eterna perplexidade, como a de Pilatos ante a alegação de Jesus Cristo, no julgamento fatal, conforme o relato do místico Evangelho de João.

Num artigo muito bem construído, de argumentos oportunos, Barreto caracteriza de forma magistral o actual Poder Socialista, no Governo, no Partido e no Estado.

Invoca Barreto as mais conhecidas celebridades socialistas, estranhamente cegas, surdas e mudas em face das malfeitorias presentes, em face do deserto de ideias sobre o País, para lá das loas às novas tecnologias que não hão-de germinar no caldo de cultura de incompetência apadrinhada que campeia por todo o lado, na ignorância remunerada e no mérito desprezado, como se vê dominante, por regra.

Com um Ensino ineficiente, desacreditado, desprestigiado, que já penalizou várias gerações de Portugueses, avizinham-se tempos difíceis.

Continuará o Povo Português a assistir a este deprimente quadro, sem reacção adequada? Continuará a confiar em quem repetidamente o engana? Resignar-se-á ele a todas as vilanias, sob o pretexto de que não há alternativa política ?

As alternativas forjam-se no confronto das ideias e dos projectos, desde que os haja, desde que eles sejam dados a conhecer ao Povo.

É preciso crer na racionalidade da espécie humana e agir em consequência. É preciso suscitar o aparecimento de gente de bem, nova e velha, mas não comprometida com a presente desordem ética.

É preciso buscar gente que ame o País, que tenha espírito de missão, real e não palavroso, e exigir-lhe coerência nas ideias, consequência na acção. Pode ser difícil reunir gente com estes requisitos, mas sem esse esforço, não se vislumbra saída para a situação.

AV_Lisboa, 27 de Maio de 2007

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Para que mais gente possa apreciar a excelência do artigo de António Barreto, aqui o transcrevo na íntegra :

« ENFIM, SÓ!

Público, 27.05.2007 - António Barreto - Retrato da Semana

A saída de António Costa para a Câmara de Lisboa pode ser interpretada de muitas maneiras. Mas, se as intenções podem ser interessantes, os resultados é que contam.

Entre estes, está o facto de o candidato à autarquia se ter afastado do governo e do partido, o que deixa Sócrates praticamente sozinho à frente de um e de outro. Único senhor a bordo tem um mestre e uma inspiração. Com Guterres, o primeiro-ministro aprendeu a ambição pessoal, mas, contra ele, percebeu que a indecisão pode ser fatal.

A ponto de, com zelo, se exceder: prefere decidir mal, mas rapidamente, do que adiar para estudar. Em Cavaco, colheu o desdém pelo seu partido. Com os dois e com a sua própria intuição autoritária, compreendeu que se pode governar sem políticos.

Onde estão os políticos socialistas?

Aqueles que conhecemos, cujas ideias pesaram alguma coisa e que são responsáveis pelo seu passado?

Uns saneados, outros afastados. Uns reformaram-se da política, outros foram encostados. Uns foram promovidos ao céu, outros mudaram de profissão. Uns foram viajar, outros ganhar dinheiro. Uns desapareceram sem deixar vestígios, outros estão empregados nas empresas que dependem do Governo.

Manuel Alegre resiste, mas já não conta. Medeiros Ferreira ensina e escreve. Jaime Gama preside sem poderes. João Cravinho emigrou. Jorge Coelho está a milhas de distância e vai dizendo, sem convicção, que o socialismo ainda existe. António Vitorino, eterno desejado, exerce a sua profissão. Almeida Santos justifica tudo. Freitas do Amaral reformou-se. Alberto Martins apagou-se. Mário Soares ocupa-se da globalização. Carlos César limitou-se definitivamente aos Açores. João Soares espera. Helena Roseta foi à sua vida independente.

Os grandes autarcas do partido estão reduzidos à insignificância. O Grupo Parlamentar parece um jardim-escola sedado. Os sindicalistas quase não existem. O actual pensamento dos socialistas resume-se a uma lengalenga pragmática, justificativa e repetitiva sobre a inevitabilidade do governo e da luta contra o défice.

O ideário contemporâneo dos socialistas portugueses é mais silencioso do que a meditação budista. Ainda por cima, Sócrates percebeu depressa que nunca o sentimento público esteve, como hoje, tão adverso e tão farto da política e dos políticos. Sem hesitar, apanhou a onda.

Desengane-se quem pensa que as gafes dos ministros incomodam Sócrates. Não mais do que picadas de mosquito. As gafes entretêm a opinião, mobilizam a imprensa, distraem a oposição e ocupam o Parlamento. Mas nada de essencial está em causa. Os disparates de Manuel Pinho fazem rir toda a gente. As tontarias e a prestidigitação estatística de Mário Lino são pura diversão.

E não se pense que a irrelevância da maior parte dos ministros, que nada têm a dizer para além dos seus assuntos técnicos, perturba o primeiro-ministro. É assim que ele os quer, como se fossem directores-gerais. Só o problema da Universidade Independente e dos seus diplomas o incomodou realmente.

Mas tratava-se, politicamente, de questão menor. Percebeu que as suas fragilidades podiam ser expostas e que nem tudo estava sob controlo. Mas nada de semelhante se repetirá.

O estilo de Sócrates consolida-se. Autoritário. Crispado. Despótico. Irritado. Enervado. Detesta ser contrariado. Não admite perguntas que não estavam previstas. Pretende saber, sobre as pessoas, o que há para saber. Deseja ter tudo quanto vive sob controlo.

Tem os seus sermões preparados todos os dias. Só ele faz política, ajudado por uma máquina poderosa de recolha de informações, de manipulação da imprensa, de propaganda e de encenação.

O verdadeiro Sócrates está presente nos novos bilhetes de identidade, nas tentativas de Augusto Santos Silva de tutelar a imprensa livre, na teimosia descabelada de Mário Lino, na concentração das polícias sob seu mando e no processo que o Ministério da Educação abriu contra um funcionário que se exprimiu em privado.

O estilo de Sócrates está vivo, por inteiro, no ambiente que se vive, feito já de medo e apreensão. A austeridade administrativa e orçamental ameaça a tranquilidade de cidadãos que sentem que a sua liberdade de expressão pode ser onerosa. A imprensa sabe o que tem de pagar para aceder à informação. As empresas conhecem as iras do Governo e fazem as contas ao que têm de fazer para ter acesso aos fundos e às autorizações.

Sem partido que o incomode, sem ministros politicamente competentes e sem oposição à altura, Sócrates trata de si. Rodeado de adjuntos dispostos a tudo e com a benevolência de alguns interesses económicos, Sócrates governa.

Com uma maioria dócil, uma oposição desorientada e um rol de secretários de Estado zelosos, ocupa eficientemente, como nunca nas últimas décadas, a Administração Pública e os cargos dirigentes do Estado. Nomeia e saneia a bel-prazer. Há quem diga que o vamos ter durante mais uns anos. É possível.

Mas não é boa notícia. É sinal da impotência da oposição. De incompetência da sociedade. De fraqueza das organizações. E da falta de carinho dos portugueses pela liberdade

Comments:
Parabéns pelo texto, que subscrevo na totalidade.
Aliás, já várias vezes disse, e repito, que considero os socialistas os verdadeiros herdeiros do salazarismo. Em versão moderna, é certo, mas com os mesmos propósitos e efeitos.
A liderança de José Sócrates apenas veio dar mais consistência a esta convicção.
JO
 
Uma revolução política faz-se em 24 horas (veja-se o que aconteceu em 25 de Abril de 1974), contudo, uma revolução de mentalidades demora gerações. Estou farto de dizer isto, por outras palavras, no meu blog.
Não é o partido socialista que tem tendências ditatoriais; nem foi o PPD/PSD de Cavaco Silva quem iniciou a arrogância no Poder. Não. A arrogância está instalada nos Portugueses - em todos nós - há vários séculos. Devêmo-la à prática absolutista dos monarcas portugueses e, acima de tudo, à Igreja Católica que a consolidou através do Tribunal do Santo Ofício.
Estranha-se a denúncia, a atitude persecutória contra o professor?! Não há de quê, pois com isso viveram-se, em Portugal, vários séculos sem interrupção. E quando os Jesuítas (outros que ajudaram à formação da mentalidade distorcida de todos nós!) foram expulsos foi instalada, pelo marquês de Pombal, a Real Mesa Censória!

Meu Caro Amigo, pode parecer-lhe estranho, mas para mim, Sócrates aprendeu com Salazar! Já tem os tiques e apura-lhe as manhas. Veja como as sondagens continuam a afirmá-lo no topo da popularidade!
Não se reformam mentalidades em três décadas! Olhe como Salazar aparece eleito depois de morto há quase 40 anos!
 
Caro amigo

Concordo inteiramente consigo e subscrevo o comentáqrio de Alves de Fraga. Mas penso que o cerne do problema não é Português. Éstá no próprio genoma humano. Na facilidade em que se embala em aventuras totalitárias, na maneira como se baixam as calças diante dos tiranos. Aqui na Madeira, no Continente, em Cuba ou agora na Venezuela, o poder está alicerçado naquilo a que A.J. Jardim chama "Povo superior". Eufemismo para a palavra "carneirada".

Mais um pormenor. No blogue de José Maria Martins comentei que a saída de António Costa do Governo não passou de uma artimanha para o "engenheiro" se ver livre do único ministro válido e com algum prestígio. E vejo agora com prazer que há mais alguém que concorda com isso.
 
Meus Prezados Amigos e Leitores,

Agradeço os comentários deixados, a que me apraz também responder.

Aceito que as mentalidades sejam mais difíceis de mudar que as realidades políticas. Porém, não me seduz o argumento histórico, como se de uma fatalidade inelutável se tratasse.

Já o Antero, das Conferências do Casino, responsabilizava a Inquisição, os Jesuítas e a Igreja, em geral, pelo atraso de Portugal; o O. Martins carregava nos Braganças, etc.

Parece-me cómodo atirar sempre para trás as responsabilidades pelo nosso atraso, sem pedir contas aos contemporâneos que estão em serviço, no efectivo, fazem as opções em nome do Povo e gozam os privilégios do mando.

É nestes que devemos fazer incidir a nossa decepção, a nossa reprovação e até a nossa raiva. Ainda mais quando eles mesmos tanto criticaram quem os antecedeu.

Imaginemos o que diriam essas aves canoras do socialismo socrático-soarista se este episódio do professor Charrua tivesse ocorrido no tempo dos Governos de Cavaco, essa espécie de fascismo redivivo, como no-lo apresentavam as exaltadas vozes do anti-fascismo !

Pelas obras os conheceremos, os classificaremos, muito mais do que pelas palavras…

Cada um responde pelo que faz, no seu tempo, na sua intervenção, na sua circunstância.

Prefiro este tipo de juízo.
 
Mais uma vez subscrevo as palavras do António Viriato, sobretudo quando diz :

"Parece-me cómodo atirar sempre para trás as responsabilidades pelo nosso atraso, sem pedir contas aos contemporâneos que estão em serviço, no efectivo, fazem as opções em nome do Povo e gozam os privilégios do mando. É nestes que devemos fazer incidir a nossa decepção, a nossa reprovação e até a nossa raiva".

De facto, é aos actuais governantes que devemos pedir contas. Ninguém é obrigado a candidatar-se à governação do país. Nem nós somos obrigados a venerar quem está no governo. Pelo contrário, é nossa prerrogativa exigir-lhes resultados. Para isso lhes pagamos.
E é também do nosso interesse correr com eles quando revelam tiques ditatoriais, a recordar um passado a que não queremos regressar.
JO
 
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